sexta-feira, 16 de abril de 2010

Pré-história submersa no açude de Boqueirão

Texto de Vanderlei de Brito

Os vales de rios eram regiões atrativas para o homem primitivo, por oferecer o indispensável elemento água, oferecer pesca, terra úmida para o plantio e olarias e eram pontos estratégicos para os caçadores por atrair animais para o bebedouro. Por isso, os vales fluviais sempre são ricos em vestígios de assentamentos pré-históricos e, portanto, um campo fértil para a pesquisa arqueológica.
Na Barragem de Itaparica, construída no Vale médio do São Francisco, entre Bahia e Pernambuco, antes da construção da represa e da hidrelétrica, a CHESF promoveu, entre 1982 e 1988, um projeto de salvamento arqueológico no trecho do vale que se encontrava dentro da cota de inundação, onde foram levantados diversos sítios rupestres e feito inúmeros resgates arqueológicos.
Todavia, na Paraíba nunca foi feito nenhum trabalho de resgate nos trechos que outrora eram vales e hoje são açudes. Dentre os inúmeros açudes existentes no Estado, gostaria de chamar a atenção para o grande açude existente no vale de Carnoió. Quantos sítios arqueológicos teriam sido submersos pelas águas que se acumulam neste açude? Esta é uma questão que talvez nunca venha a ser respondida.
O nome da cidade de Boqueirão se originou de um grande corte que o rio Paraíba faz na serra do Carnoió. Neste local, onde se assenta o povoado de Boqueirão, já em fins do século XIX, o historiador Irineu Joffily já sugeria um represamento do Rio para fins de abastecimento. Construção que veio a ser realizada entre 1950 e 1956 pelo DNOCS com objetivo de abastecer d’água a cidade de Campina Grande, gerar energia elétrica e perenizar o rio Paraíba. O açude Epitácio Pessoa, ou de Boqueirão como é conhecido, foi inaugurado em 16 de janeiro de 1957 pelo então Presidente da República Jucelino Kubischek.
Já no século XVII temos registros de inscrições rupestres na área hoje submersa. O Pe. Martin de Nantes que, durante oito meses viveu catequizando os indígenas aldeados em Boqueirão, comenta ter encontrado no ano de 1660, uma grande pedra, sobre a qual estava gravada a imagem de uma cruz e na parte inferior um globo, ao lado duas figuras que não podiam ser distinguidas por causa do musgo, e uma espécie de rosário gravado.
Em julho de 1905, o estudioso do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, José Fabio da Costa Lira, realizou uma viagem de exploração na região e verificou, na margem direita do Paraíba, há três léguas ao oeste do povoado de Boqueirão, um monumento rochoso com uma grande quantidade de inscrições. Uma légua abaixo deste local, na margem esquerda do rio, viu diversos caracteres gravados num lajedo e na fralda da Serra do Carnoió, banhada pelo Paraíba, identificou caracteres gravados no interior de uma furna.
Estas são apenas algumas das notificações registrando inscrições rupestres no vale de Carnoió, antes deste tornar-se um manancial artificial, que provam que ali existe um grande número de vestígios testemunhos do passado ameríndio e paleoídio encoberto pelas águas e toneladas de material de enxurros, sem nunca ter sido devidamente registrado.
Segundo consta, a bacia hidrográfica do açude de Boqueirão cobre uma área de 12.410km2 ao longo do Paraíba e neste manancial, cujos primeiros levantamentos topográficos iniciaram-se em 1948, não houve nenhum procedimento de resgate ou levantamento. Submergindo um vasto e precioso legado pré-histórico que, talvez, nunca volte à tona. Restando-nos apenas uma imensa lacuna nos estudos da pré-história de todo aquela região caririense paraibana.

A Igaçaba do Pico do Jabre


Texto de Vanderlei de Brito

Era comum entre os ameríndios sepultar seus mortos arrumados em urnas barro, principalmente os de etnia tupi. Ao que tudo indica, a primeira notificação de urnas funerárias ameríndias em nosso país data de 1618 e consta na obra “Diálogos das grandezas do Brasil”, de Ambrósio Fernandes Brandão, que relata ter explorado uma caverna na Capitania de Pernambuco onde encontrou inúmeros alguidares arrumados e, em cada um havia ossada de defunto em seu interior.
Em fins do século XIX, em sua “História Geral do Brasil”, Francisco Adolfo Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, informa sobre o achado de sepulcros indígenas na Província de Minas Gerais em urnas de barro decoradas com pinturas arabescas e pontinhos feitos de barro colorido todo envernizado com resina. Este achado, sem dúvidas, trata-se do que a arqueologia denomina de igaçaba, urnas funerárias pertencente aos grupos indígenas falantes de língua do troco tupi, classificada de tradição Tupiguarani. Basicamente, esta cerâmica caracteriza-se por estar confeccionada sob técnica de acordelamento, de paredes grossas, cozimento a fogo redutor ou incompleto e, geralmente, policrômica, apresentado desenhos geométricos nas cores branca, preta, cinza e vermelha, com fino acabamento.
Na Paraíba não faltam relatos de achados fortuitos de urnas de barro com seus respectivos enxovais fúnebres, cujas descrições indicam terem pertencido aos ameríndios do tronco tupi. Entretanto, o achado mais interessante de igaçaba em nosso território deu-se em meados da década de 60, quando o arqueólogo Marcos Albuquerque e o geólogo Cláudio de Castro, na realização de prospecção e reconhecimento que faziam aleatoriamente, conforme a oportunidade, uma das informações os levou ao Pico do Jabre onde encontraram uma urna funerária em poder do proprietário da fazenda, um certo Dr. Dantas, que a havia desenterrado em sua propriedade.
A urna, cuja fotografia foi publicada em diversas obras sobre pré-história do Nordeste, classificada como pertencente à tradição Tupiguarani, sub-tradição pintada, foi resgatada quase incólume e entregue ao pesquisador Marcos Albuquerque.
Depois desta visita casual ao Pico do Jabre, o arqueólogo não mais retornou à região. Atualmente está desenvolvendo pesquisas na selva amazônica em paralelo com o projeto de prospecção na construção da BR 101. Sobre este achado no Jabre, Marcos Albuquerque me revelou, na informalidade, acreditar que a região tem grande potencialidade arqueológico e é seu desejo um dia poder voltar lá para realizar a pesquisa com os elementos que dispõe hoje sobre as sociedades de cultura Tupiguarani.
Este achado no sertão paraibano demonstra a grande extensão territorial destes povos que, no período do descobrimento, a História registra que ocupavam tão somente as regiões litorâneas.

O Polêmico Pe. Luiz Santiago

O Padre Luis Santiago em 1942.

A sua Fazenda Ubaia em Barra de Santa Rosa


1.O Padre

O Padre Luiz Santiago de Moura nasceu em 25 de Agosto de 1897, no sítio Meia-pataca, na povoação de Lagoa do Remígio, cidade de Areia, estando hoje nos domínios municipais de Remígio-PB.
Filho do casal Delfim Izidro de Moura e Antônia de Andrade Santiago, o pequeno Luiz seguia à risca a doutrina religiosa familiar. Sua vida clerical inicia-se aos 21 anos, quando é encaminhado ao seminário, permanecendo por uma década cursando filosofia teológica ginasial. Aos 31 anos, é ordenado padre (em 1928), por Dom Adauto Aurélio, e nomeado para a freguesia de Cuité (1929), em lugar do Monsenhor José Tibúrcio.
Uma de suas primeiras ações na paróquia de Cuité foi a implantação da via sacra na igreja “de estilo moderno e de grandes proporções, por iniciativa do ardoroso Frei Martinho, que a começou em dias de 1918 deixando-a coberta...” (SANTIAGO, 1936. p. 16). Em 1931, Pe. Santiago juntamente com o Dr. Edesio Silva funda a capela de Nossa Senhora de Nasaré de Jacu “...distante da sede 2 ½ léguas (...) com aula pública e ensino de catecismo” (idem, ibidem). Já em 1935 foi a vez da fundação da capela de N. S. da Conceição de Malhada do Canto “distante da sede 8 leguas, fundada pelo Padre Luiz Santiago e o Ce. José Antonio, deputado...”(Idem, Ibidem). Em 21 de novembro de 1936 é fundada a capela São Severino do Bispo, através da doação (1 ano antes) de um terreno pelo Sr. Felinto Florentino de Azevedo (LEMOS, 2002. p.117). A presente capela é marco fundador do povoado de Nova Floresta “... Felinto Florentino doou o terreno (...) e construiu inúmeras residências...”. Nesta capela, em 20 de outubro de 1936 é celebrada a primeira missa pelo Pe. Luiz Santiago, que também implanta aula publica e ensino do catecismo. Consta também que Pe. Santiago fundou a capela de Caboré, no atual município de Frei Martinho. Todas as fundações fazem parte do patrimônio da paróquia de N. S. das Mercês do Cuité, cuja fundação foi “... aos 25 de Agosto de 1801, tem um arquivo rico em documentação e sua organização bem regulada, graças ao tino organizador do seu Vigário de 1928, o Mons. José Tibúrcio. Tem bom patrimônio, e 15 Capelas (...) hoje funcionam normalmente, suas aulas, quando não públicas, particulares com o ensino de catecismo...” que também contava com “...uma boa casa paroquial, bem confortável, com água encanada e garage, e todo o mobiliário próprio, 4 casas de telha, alugadas a bom preço, e 3 banheiros de uso publico.”(SANTIAGO, 1936).
Pe Luiz Santiago, em sua carreira sacerdotal, foi vigário da paróquia de Cuité entre 1929 e 1941. Durante este período, acumulou as paróquias de Picuí, entre 1931 e 1936, e de Pedra Lavrada, entre 1931 e 1933.
É perceptível a dinâmica deste jovem padre que dissemina a doutrina católica na região criando diversas capelas e mantendo-as com missas periódicas e aulas de catecismo unido ao ensino público, proeza de caráter social. O ensino e trabalhos sociais realmente foram dois aspectos que norteavam as ações do Pe. Santiago, sua preocupação era tamanha que até sua fazenda foi palco de cursos profissionalizantes. No ano de 1958, quando não mais atuava oficialmente pela Igreja, Santiago trouxe uma jovem artesã para ministrar curso de renda e esta, Maria Elvira de Medeiros, acabou por ficar na fazenda como governanta e, ainda hoje, Dona Mariquinha, como é popularmente conhecida, vive na fazenda e zela pelos bens deixados pelo Padre.
Contudo, o Padre era um ferrenho defensor da obediência à doutrina Católica e cuidava de seu rebanho com “mãos de ferro”, não permitindo indisciplina nos “seus” domínios paroquiais. A partir 1933, Luiz Santiago, começou a ter problemas com um grupo de sectários do luteranismo que estava se instalando em sua paróquia, em Cuité, e se expandindo rapidamente na região aquela doutrina “herege”. Luiz Santiago e seus seguidores passaram a perseguir os protestantes, interrompendo os cultos, espancando os “crentes” e até proibindo que fossem sepultados no cemitério da cidade. Uma intolerância muito comum na época. Polêmico e muito temperamental, num lapso de irracionalidade, em 1935 mandou demolir a igreja protestante (Assembléia de Deus) que estava sendo instalada em Cuité. Sua ação criou transtornos no seio da Igreja católica e gerou um movimento destes protestantes em reação à sua atitude nada moderada. Em meio à celeuma, a emboscada que resultou no assassinato, a tiro de rifle, de um protestante que vinha de um culto, Severino Amaro dos Santos, ocorrida na noite de 15 de agosto de 1940, agravou a situação, pois o crime foi atribuído ao Padre Santiago. Em decorrência do trágico episódio, para evitar novos transtornos para a Igreja, em 1941 Luiz Santiago teve suas ordens canônicas suspensas, por Dom Moisés Sizenando Coelho, lhe sucedendo na paróquia de Cuité o vigário Virgínio Estanislau Afonso.
No entanto, Luis Santiago nunca deixou seu desígnio de ser padre. Construiu sua própria igreja, no subterfúgio das dependências de sua fazenda, e continuou professando a fé e a liturgia católica em sua pseudo-paróquia, a seu modo.


2. O empresário e latifundiário

Pecuarista, produtor de algodão e agave, Luiz Santiago foi quem introduziu a cultura do agave na região do Curimataú da Paraíba, não obstante o clima semi-árido, a cultura se adaptou bem na região. Na sua fazenda Ubaia, de 1.400 hectares, comprada em meados da década de 20 do senhor Manoel de Souza Lima, Santiago construiu uma fábrica para beneficiar o sisal e produzir cordas e outros derivados do vegetal. Na fazenda, suntuosa, tinha seu próprio campo de pouso, um observatório, elevador particular e um museu. Com o apogeu da cultura do agava, Pe. Santiago comprou mais quatro fazendas na região, fazenda Montevideo, Pororoca, Lagoa do Meio e Bombucadinho, para o plantio.
Um homem de espírito vanguardista, foi um dos primeiros a adquirir um automóvel na região (chegando até a montar uma concessionária de automóveis em Currais Novos-RN), tinha máquina cinematográfica e também era apaixonado por motocicletas. Ao que tudo indica, tinha um significante poder econômico para a época e muito tino para os negócios.
Luiz Santiago tornou-se um fazendeiro muito poderoso na região. Valentão, Santiago era exímio atirador, tinha porte de arma e andava sempre armado, pois exercia grande influência religiosa e política no vale do Curimataú.
3. O pesquisador
Pe. Santiago era um homem de espírito inquieto e tudo ele buscava entender e manusear. Ele mesmo arquitetou e desenhou a planta da Igreja de Cuité, cuja construção iniciou em 1935. Também se destacou como inventor, criando máquinas para o manejo do agave, modelos de automóveis, casa para acomodar pombos, elevador doméstico e até uma mesa redonda para seu lar. Curiosidades nada convencionais para a época e o lugar.
A partir da década de 1930, Pe. Santiago desempenha estudos de várias naturezas, dividindo-o entre as pesquisas e as atribuições eclesiásticas. Segundo a Sra Elvira “... ele passava muito tempo fora, as vezes aproveitava a ida a uma capela longe para estudar as coisas de lá e só vinha pra casa dias depois...”. Suas pesquisas tinham como foco principalmente os primeiros habitantes da região, os indígenas. Estudou diversos sítios arqueológicos pré-históricos de inscrições rupestres na região do Curimataú, também desenvolve atividades museológicas, escreve sobre a história de municípios como Cuité e Remígio, além de fazer um complexo estudo acerca da lingüística tupi. É de sua autoria as publicações “Serra de Cuité: sua história, seus progressos, suas possibilidades” (1936) e “Lendas e Fatos do meu Sertão” (1965), ambos pela oficina gráfica ‘A imprensa’ em João Pessoa. Muitos outros trabalhos foram escritos e infelizmente não vieram a público, como um denso dicionário tupi-português e apontamentos para a história do município de Remígio, este último escrito em 1963.


3.1 Arqueologia e Museologia

Em meio aos atributos eclesiásticos, o Padre Luiz Santiago sempre foi sensível aos estudos. Ao exemplo do padre Manoel Ubaldo da Costa Ramos, um rebelde sacerdote que era afeito a estudos arqueológicos e conhecido regionalmente como padre Neco, vigário de Monteiro entre 1888 e 1902 (RIETVELD; BRITO, 2007), o padre Santiago também era dedicado às pesquisas no campo da etnologia e da arqueologia. Investigou o passado e as origens do homem na região do Curimataú. Dentre seus escritos, estão sempre citados jornais de diversas partes do Brasil além de vários livros de consulta. Grande parte de sua biblioteca compõe o atual acervo da Biblioteca Paroquial de Barra de Santa Rosa, que possui, dentre diversos livros de encontros de bispos e publicações religiosas, livros regionais e estudos de indiologia: como as primeiras edições de ‘História de Campina Grande’ do Elpídeo de Almeida (1962) e ‘Geografia da Fome’ do Josué de Castro (1946) dentre outras raridades. O aguçado faro investigativo do Padre fez com que percorresse grande parte do Curimataú em busca de pistas dos índios, creditando as inscrições rupestres da região aos antigos habitantes destas terras. Suas pesquisas tomavam-lhe dias e mais dias. Muitas vezes acampado em meio à caatinga, onde Pe. Santiago estudou os vestígios arqueológicos e tirou suas próprias conclusões.
A arqueóloga Ruth Trindade de Almeida, em sua obra ‘A arte rupestre nos Cariris Velhos’ (1979), faz referência aos estudos do padre Luiz Santiago, por volta de 1934, registrando vários sítios com inscrições rupestres, através de desenhos, na região Curimataú da Paraíba e parte do Rio Grande do Norte. Segundo Ruth, o padre fazia suas viagens a cavalo e ficava acampado por dias estudando os sítios arqueológicos. Os manuscritos de Santiago sobre estas pesquisas foram doados à arqueóloga para sua segunda etapa de pesquisas da arte rupestre paraibana, que acabou por não ser concluída e os originais das pesquisas sobre arte rupestre de Santiago nunca vieram a público.
Santiago considera que o vale do Curimataú era domínio da tribo indígena Cariri, com o nome de Inhaim. Um cemitério supostamente destes indígenas foi por ele descoberto nos limites dos municípios de Solânea e Cacimba de Dentro, na localidade de Pitombeira, e um outro quase duas léguas do boqueirão do Jaguaré, pelo lado oriental da serra da Caxexa, numa “concha granítica com inscrições rupestres”.
Este sítio rupestre, segundo o Padre, é uma “pedra mergulhada em densa vegetação, muito bonita e lendária. Tem a forma dum mostrengo dólmen, sobre três outras pedras admiravelmente pequenas, relativo ao peso que suporta. A sua sombra poderão se abrigar-se trinta homens mais ou menos”.
Em 1971, o Padre escreve o material ‘Achados Indígenas’, onde registra:
na escavação de esgoto público na cidade de Cuité, acharam uma IGAÇABA com ossos humanos.Trata-se dos restos mortais de um chefe indígena. Pena é que a ferramenta do trabalho, às mãos de operários de pouca cultura reduziu tudo a fragmentos. A cerâmica de terra, pelo espaço que ocupava demonstrava medir 70cm de comprimento por 40cm de largura e 30cm de altura. Estrutura sólida, mas grosseira. Ao longo das bordas do vasilhame, corre forte debrum, característico do estilo indígena da terra. A parte interna, do grande prato, ornamenta-se com estrias lineares, em três côres e idênticas faixas paralelas, cuja tinta é produto nativo: côres, roxo-rei e cinza.(SANTIAGO, 2008).
Neste trabalho inédito, Santiago também aponta achados de objetos indígenas em diversas localidades no vale do Curimataú: próximo a serra da Caxexa, na localidade Alto Redondo, em Areia; no Olho D’Água da Bica, em Cuité e na Lagoa dos Cavalos. Estes inúmeros achados arqueológicos e peças doadas pelos paroquianos foram todos devidamente catalogados e guardados no seu museu particular ou doados a órgãos de competência museológica.
Todavia, até no meio científico Pe. Santiago era desabrido e tinha desafetos. Num de seus escritos comenta sobre ter resgatado em 1939 uma urna funerária indígena4 na localidade de Pitombeira (no atual município de Casserengue) e a mesma havia doado ao Conselho de Geografia do Estado, de onde era membro, e, a mesma viu sem qualquer referência, “sem expressão nem procedência” no Museu do Estado. Certamente esta crítica se dirigia ao Diretor deste Museu, professor Leon Clerot, com quem tinha divergências ideológicas.
Em 1973, grande parte da coleção arqueológica foi doada ao Museu paroquial do Pe. Rui Vieira. Não sabemos exatamente o que motivou o Padre a fazer a doação das peças, fato é que na obra ‘Achados Indígenas’ há várias páginas contendo a descrição e numeração de várias peças acompanhada de um termo de doação, como vemos a seguir:
“- TEMBETÁ: exemplares encontrados ao pé ocidental da serra da Caxexa, município de Barra de Santa Rosa – PB, região dos Inhais. Tembetá: pedra de beiço. Tembé (beiço); ita (pedra). Trata-se de uma nefrita – variedade de jade. É um silicato de alumínio e calcário, gênero do anfibolito ou que seja um feldspato verde, spalhado por todo o território nacional. Acha-se em profusão na zona do Curimataú, sobretudo. É dura mas, isenta do sol, ao fundo das águas, é capaz de se moldar, tornando-se dura se exposta ao ar ou sol. Os índios tinham-na por ornamento e quiçá, por talismã. Seu uso remonta à época mui recuada e é de caráter quase universal, com poucas exceções, na América do Sul. Tida por pedra da felicidade. Pedra verde(Itáobymbaê). Não padece dúvida que era de uso largo como adorno – Carlos Fried. Philvon Martius – pg. 231.
O achado foi na região dos índios Inhais, donde podemos crer que fossem objetos de seu uso. São idênticos aos artefactos dos índios Buçaças, de quem dependiam os Inhais.
Era na será da Caxexa onde os índios das cercanias se juntavam para promover suas festas: buçaças, jitós, banabués, inhais, etc. ao pé da grand concha, no cimo da Caxexa, denominada Pedra do Oratório. Lá, ainda hoje, na grande pedra, encontram-se inscrições rupestres a tinta vermelha e perto, ao sul, em outra pedra, inscrições em tinta vermelha e amarela. Ao pé da Pedra do Oratório, há vestígios de fogueiras festivas (Turiaçu).
Do Museu Pe. Santiago, passam ao Paroquial de Areia PB. 01/05-973.” (BRITO e OLIVEIRA, 2008. p.10)
Sobre os textos de Santiago, é possível perceber uma linguagem e interpretações que estavam em uso nas décadas de 1940, 1950 e 1960. Um genuíno trabalho da “Era Clerot”. Pois era comum, neste período, afirmativas arbitrárias sobre territórios indígenas e atribuições de peças arqueológicas aos índios para os quais acreditavam estar associados ao domínio geográfico do achado (BRITO; OLIVEIRA, 2008).
Até o presente, o padre Luiz Santiago era um total desconhecido no meio arqueológico do Estado. Contudo, surpreendentemente, vem se revelando uma atividade contínua, por pelo menos cinco décadas, deste estudioso do Curimataú. Talvez este anonimato se deva a região desolada onde viveu.


ACERVO MUSEOLÓGICO DE PE. LUIZ SANTIAGO

Certamente, dispomos de muito pouca informação acerca das peças que foram resgatadas por Luiz Santiago na
Paraíba. Sabemos hoje que a maioria do acervo particular de Santiago está no Museu Paroquial de Areia, o qual já
visitamos em outra oportunidade e ficamos muito impressionados, mesmo sem saber que o acervo havia sido
doado por Luiz Santiago. O museu de Areia, como já dissemos, foi organizado pelo Pe. Ruy Vieira. Contudo, além de algumas fotografias que realizamos no Museu, quando de nossa visita, dispomos de alguns documentos, que nos foi gentilmente emprestado pela Dona Mariquinha, dando conta de algumas peças de valor arqueológico pré-histórico que foram doadas por Santiago ao supracitado Museu, vejamos a seguir:
- PEDRA PERIFORME: trata-se de um objeto indígena, encontrado no lugar Gurjaú, cimo da Serra do Cuité, zona do Trairi, município de Santa Cruz, em 1938. trabalhado numa pedra denominada vulgarmente por sebo minério. Tem a cor verde escuro com banho cinza. Parece-me um amuleto. Do Museu Pe. Santiago, passo-o ao Paroquial de Areia (PB). 01/05/1973.
- PEDRAS DO MARACÁ INDÍGENA: as três pedras de seixo rolado, com cores: branca, amarelada e roxo terra, com a forma de esfera, foram encontradas na serra da Pitombeira, um prolongamento da serra do Damião, no município de Araruna (PB), próximo ao olho d'água doce onde se acha uma olaria indígena, cuja louça, descoberta, está fragmentada. Entre os pedaços, estavam as referidas pedras. Suponho que eram partes componentes do maracá
indígena. Do Museu Pe. Santiago, passo-as ao Paroquial de Areia. 01/05/1973.
- APITO IDÍGENA: O exemplar às vistas foi encontrado na serra do Paredão – município de Barra de Santa Rosa – ao pé da Pedra, onde também fora encontrado um prato de barro, em forma de tigela, e um cachimbo, tudo na propriedade do Pe. e Dr. Francisco Gomes Maia, em 1940, zona dos índios chamados Inhais, tribo dos Cariris. O instrumento, que julgo ser chamariz indígena daquela gente, está mutilado. Era bem maior, medindo 7 cm, com a parte terminal em forma de trombeta. No atrito do ferro da excavação, fragmentou-se, sem se poder restaurá-lo. Do Museu Pe. Santiago, passo-o ao Paroquial de Areia (PB) 01/05/1973.
- PONTA DE FLECHA: a ponta de flecha, às mãos, é de calcedônia negra. A cor e o acabamento entremostram tratar-se de uma insígnia, figurando o galhardão por façanhas de alto nível. Via de regra, o índio pintava-se de negro, ao calor das bravatas. A calcedônia é rocha dura e vulgaríssima. Coloração típica, formando várias espécies. A branca e a preta são raras. A aliança do casamento indígena, quando não era feita de quartzo branco laminar, mais ao alcance da manufatura, era de preferência a fabricação de calcedônia branca, a despeito da raridade. Os nubentes, ao oficializarem o noivado, faziam-no sob solenidades. Construíam os interessados duas alamedas paralelas, em ordem linear, juncavam ramos, alternativamente, de plantas frutíferas: um galho com flores e outro com frutos. Abria-se
uma praça ao largo das alamedas, em cujo espaço haviam de perlustrar os nubentes. A seta de calcedônia negra bem trabalhada, como a presente, não obstante ter o ápice da ponta um pouco deformado, defeito quiçá da mão de obra, deve ser insígnia de investidura ou prenda dos feitos memoráveis. A cor negra bem indica. Do Museu Pe. Santiago, passa ao Paroquial de Areia (PB), 01/05/1973.


4. O homem

Luiz Santiago não foi um padre muito convencional; era inventor de engenhocas, piloto de avião, filósofo, historiador, motoqueiro, romancista e rádio-amador. Dizem que também era afeito a práticas de ensalmo, como rezas e orações de encantamentos. A luxúria com mulheres também fazia parte do rol de suas contravenções eclesiásticas. Na sua obra “Lendas e fatos do meu sertão”, ele demonstra conhecer bem as armadilhas da alma feminina. Embora, contraditoriamente, também haja boatos levianos que o relacione a prática de sodomia (BRITO, 2008).
O padre chegou a adotar e criar um menino, que hoje vive com sua prole na sede do município de Barra de Santa Rosa, curioso notar que o filho adotivo de Santiago não parece ser uma pessoa que tenha avançado no universo escolar. Não há registro de que o padre tenha tido filhos naturais.
Luiz Santiago morreu de pneumonia aos 91 anos, em 1989, na fazenda Ubaia, município de Barra de Santa Rosa e seus restos mortais jazem num suntuoso túmulo, ao lado de sua igreja, em sua fazenda, que ele mesmo mandara construir para si, quase duas décadas antes de sua morte. Tudo indica que Santiago imaginava que estava próximo de morrer, pois data deste período um inventário onde ele doa todo seu acervo de valiosas peças históricas e arqueológicas, recolhidas em décadas de pesquisas, para o museu paroquial de Areia, aos cuidados de seu afilhado, Pe. Rui Vieira, onde ainda hoje permanecem expostas no Museu Regional do Centro Social Pio XII.
Pe. Santiago, apesar de ter sido um homem muito difícil, também era generoso. Antes de morrer doou sua fazenda, na serra do Bombocadinho, para ajudar na paróquia de Barra de Santa Rosa e a fazenda Ubaia ele deixou para sua fiel governanta, dona Mariquinha.
Escritor primoroso, de olhar profundo e aspecto austero, Luiz Santiago talvez seja a figura mais polêmica entre os vultos intelectuais e eclesiásticos paraibanos. Odiado por muitos de seus contemporâneos, que diziam-no louco, talvez por ter a coragem de discordar e de defender suas idéias, este irreverente vigário de espírito inquieto e vasta bagagem cultural, tornou-se por excelência um dos maiores estudiosos e benfeitores da região curimataense da Paraíba.
Referências
BRITO, Vanderley de. Pe. Luiz Santiago. Diário da Borborema, edição de 19/03. Caderno de Opinião. Campina Grande. 2008.
BRITO, Vanderley de; OLIVEIRA, Thomas Bruno. Breve biografia do pesquisador Pe. Luiz Santiago. Boletim Informativo da Sociedade Paraibana de Arqueologia. Ano III, nº19, Campina Grande, 2008.
CALADO, Edson José Santos. Resgate Histórico da Assembléia de Deus. http://assembleiadedeusdepicui.blogspot.com/2007_10_29_archive.html
LEMOS, Helcio de Carlos. Enciclopédia dos Municípios Paraibanos. AB Editora: João Pessoa, 2002.
RIETVELD, Pe. João Jorge; BRITO, Vanderley de. O irreverente Pe. Costa Ramos. Diário da Borborema, edição de 11/04. Campina Grande, 2007.
SANTIAGO, Pe. Luiz. Serra do Cuité: sua história, seus progressos, suas possibilidades. A Imprensa: João Pessoa, 1936.
_______. Lendas e Fatos do meu Sertão. A Imprensa: João Pessoa, 1965.
_______. A língua Tupi ao alcance popular. Ensaio datilografado inédito, 323p.
_______. Achado Indígena. In: Boletim Informativo da Sociedade Paraibana de Arqueologia. Ano III, nº19, Campina Grande, 2008.