sexta-feira, 16 de abril de 2010

Pré-história submersa no açude de Boqueirão

Texto de Vanderlei de Brito

Os vales de rios eram regiões atrativas para o homem primitivo, por oferecer o indispensável elemento água, oferecer pesca, terra úmida para o plantio e olarias e eram pontos estratégicos para os caçadores por atrair animais para o bebedouro. Por isso, os vales fluviais sempre são ricos em vestígios de assentamentos pré-históricos e, portanto, um campo fértil para a pesquisa arqueológica.
Na Barragem de Itaparica, construída no Vale médio do São Francisco, entre Bahia e Pernambuco, antes da construção da represa e da hidrelétrica, a CHESF promoveu, entre 1982 e 1988, um projeto de salvamento arqueológico no trecho do vale que se encontrava dentro da cota de inundação, onde foram levantados diversos sítios rupestres e feito inúmeros resgates arqueológicos.
Todavia, na Paraíba nunca foi feito nenhum trabalho de resgate nos trechos que outrora eram vales e hoje são açudes. Dentre os inúmeros açudes existentes no Estado, gostaria de chamar a atenção para o grande açude existente no vale de Carnoió. Quantos sítios arqueológicos teriam sido submersos pelas águas que se acumulam neste açude? Esta é uma questão que talvez nunca venha a ser respondida.
O nome da cidade de Boqueirão se originou de um grande corte que o rio Paraíba faz na serra do Carnoió. Neste local, onde se assenta o povoado de Boqueirão, já em fins do século XIX, o historiador Irineu Joffily já sugeria um represamento do Rio para fins de abastecimento. Construção que veio a ser realizada entre 1950 e 1956 pelo DNOCS com objetivo de abastecer d’água a cidade de Campina Grande, gerar energia elétrica e perenizar o rio Paraíba. O açude Epitácio Pessoa, ou de Boqueirão como é conhecido, foi inaugurado em 16 de janeiro de 1957 pelo então Presidente da República Jucelino Kubischek.
Já no século XVII temos registros de inscrições rupestres na área hoje submersa. O Pe. Martin de Nantes que, durante oito meses viveu catequizando os indígenas aldeados em Boqueirão, comenta ter encontrado no ano de 1660, uma grande pedra, sobre a qual estava gravada a imagem de uma cruz e na parte inferior um globo, ao lado duas figuras que não podiam ser distinguidas por causa do musgo, e uma espécie de rosário gravado.
Em julho de 1905, o estudioso do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, José Fabio da Costa Lira, realizou uma viagem de exploração na região e verificou, na margem direita do Paraíba, há três léguas ao oeste do povoado de Boqueirão, um monumento rochoso com uma grande quantidade de inscrições. Uma légua abaixo deste local, na margem esquerda do rio, viu diversos caracteres gravados num lajedo e na fralda da Serra do Carnoió, banhada pelo Paraíba, identificou caracteres gravados no interior de uma furna.
Estas são apenas algumas das notificações registrando inscrições rupestres no vale de Carnoió, antes deste tornar-se um manancial artificial, que provam que ali existe um grande número de vestígios testemunhos do passado ameríndio e paleoídio encoberto pelas águas e toneladas de material de enxurros, sem nunca ter sido devidamente registrado.
Segundo consta, a bacia hidrográfica do açude de Boqueirão cobre uma área de 12.410km2 ao longo do Paraíba e neste manancial, cujos primeiros levantamentos topográficos iniciaram-se em 1948, não houve nenhum procedimento de resgate ou levantamento. Submergindo um vasto e precioso legado pré-histórico que, talvez, nunca volte à tona. Restando-nos apenas uma imensa lacuna nos estudos da pré-história de todo aquela região caririense paraibana.

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